Apanhei durante toda minha tenra idade, como uma engrenagem desdentada e agasalhada pela ferrugem, de máquina dessas das grandes corporações. Essas grandezas que existem por ai e aquietam o olhar do sujeito só com a cor da fachada.
Acreditava cumprir meu papel no funcionamento das estruturas. Desprendia, com uma facilidade juvenil, por indeterminadas vezes durante o dia, num rolar moço sob o chão do lugar.
A mão que me acolhia, sempre que notavam o claudicar do todo, rompia meu deslize com uma macieza cortante da estrutura. Era feito o que faziam nas outras bandas da fábrica. Lá onde derretiam o ferro num derramar pastoso, bonito e vermelho pela vala. A diferença era que o responsável pelo meu setor não parava o funcionamento da máquina para a acoplagem.
Amassava-me as beiradas e conforme as outras endentações passavam pela vista, me enfiava no meio delas sem preocupação nenhuma com o molde.
Rodei coligado á endentados lisos, garbos, grossos, prateados, cobres, fracos, maciços, dourados, com dentes embalados por arames e todos os outros tipos de bonitezas que embelezavam minha volta.
Isso até o dia em que despediram o responsável pelo meu procurar. O ranger dos dentes alheios revelou que a causa do acontecido foi má conduta. Disseram que era um empregado que apreciava as cartas, o tabaco, as conversas fundadas em assuntos prolongosos, no horário em que lhe exigiam um pensar raquítico e conformado.
Desde o primeiro rolar após sua saída, não me procuraram com tamanha freqüência e zelo. Engraçado, hoje, são as lembranças de como me encontravam. Freqüentei com aplicação, nem sempre planejada, os cantos mais sujos e os mais bonitos do estabelecimento. Muita coisa me aconteceu nessas rolagens. Experimentei óleo de máquina, mistura feita de pó de fuligem, sebo e outras substâncias, querosene, álcool, gasolina e tíner. As demais coisas não me agradavam o pensar. E vez por outra ainda lembro daquela mão que voltava pro lugar.