O relógio desperta sete e vinte. Com o tempo mental organizado devidamente dentro das idéias, ainda com um pouco de sono, planeja-se a que horas passa o ônibus, o tempo em que pode ficar debaixo da água do chuveiro, a quantidade exata de pães de queijo requentados no tostex e o café. Quando tudo isso é possível, geralmente inventa-se um assunto com o chefe justificando os minutos que se passaram das oito. Tudo bem, nem sempre se consegue tudo ao acordar.
Sete pontos. Um terminal e mais oito. Geralmente é isso somado a algumas dezenas de coisas que acontecem todo santo dia. Acreditando com a ciência de quem já pode crer – na semana que vem depois de amanhã – em uma vida melhor.
Mesmo que - com a mesma cara fechada de quando se é menino e o garoto
maior do colégio rouba seu pirulito - você espera por mais tempo ao acordar, uma cama melhor pra dormir, um dia com mais horas (ou menos), um pico perfeito com o chão sempre acessível aos seus passos... E mais um pouco, sempre mais um pouco. Na boa, isso não vai acontecer.
Fazer de tudo uma justificativa pro seu caminho, seja o tênis ou a falta dele, o shape ou a correria que é a sua vida, que isso ou aquilo não são como você acredita, só te deixa mais burro e fudido. Se acreditar é igual a esquecer, até quando é possível crer que alguém uma hora ou outra vai olhar pra você?
Aquele cara ali, de calça larga ou apertada, inventando desculpa até para a própria sombra ou até mesmo pela falta de sol na cara não representa nada.
aquele quarteirão inteiro
com um posto de gasolina
na beirada onde termina o passeio,
uma quitanda
sem um nome aparente
pintado como se fosse
enormes aparelhos cravados
nos dentes, mostrando a correção
luminosa de se aparecer com um sorriso,
duas pensões, sendo uma
uma casa de família a outra
um prostíbulo
dois pés de árvores esquecidos
que mantêm sombra sobre o papo
sou eu sentado
no outro lado da calçada
de costas para o espelho.
não se exige nada
de quem cutuca com
um pedaço de galho
partido ao meio
alguma parte do terço
de uma imaginação.
o rosto de um macaco
esculpido com a mão
suja de merda ao passar
na parede
ou um coração com quarto
sala e cozinha durante
um relacionamento de dois meses.
quem exige, acredita
com a inteligência necessária
para não se criar, absolutamente, mais nada.
com os dois pneus
do carro arriado
em frente a casa
naquele sábado
eu vi meu pai
depois de quase
seis anos de ter
nos deixado.
não vestia sua bermuda,
nem a camisa aberta até
a costumeira casa.
não fumava, nem chegou
arrastando a sandália.
lembro-me que foi logo
abrindo o porta-malas,
retirou o macaco e foi
ensinando-me o encaixe
no local correto.
trocamos juntos
aquele momento
ele mais falante
eu mais quieto, depois
demos uma volta por toda
a extensão daquele quarteirão
que todo dia eu passava
com os passos já cansados
do traçado.
meu tio naquele momento
foi meu pai que morreu
infartado.
o homem em chamas
enquanto pula
do quarto mais alto
daquele edifício
um misto dos resquícios
de tijolos em brasa
e fogos esverdeados
pensa consigo:
será o herói da história
o objeto em que caio
ou o homem que o segura para
meu alívio?