precário

um sujeito fajuto, um blog precário

Thursday, November 27, 2008

 
Arriei os ombros até onde a postura deixou se estabelecer. A vergonha, bem, essa eu deixei cair até depois que a vista alcança.

Procurei pela camisa, vesti e coloquei cada casa com o seu devido botão, deixando alforriados os dois que se encontram mais junto do peito e próximo do pescoço. Vesti a calça, calcei as meias e o par de tênis. Estiquei a mão até a maçaneta e cruzei um corredor. Logo adiante tem dois sofás: um de frente ao móvel com a televisão, discos ruins, fitas de vídeo com minha infância dentro, um vídeo-cassete, um aparelho de dvd, o som e o telefone. Faço tudo disso olhando pro chão. Sei te falar dos objetos acima por já ter decorado a vista. Logo à frente dois vasos enfeitam de verde o espaço acima do chão meio acinzentado em alguns pontos, meio bege em outros. No meio de toda essa beleza existe um outro sofá e segundo uma amiga minha, pianos no teto. Mas eu só os vejo quando ela aparece por lá e eu fico de barriga pro ar. Tem gente que diz que tem um obstáculo de skate também. Pouco me importa, eu olho pro chão mesmo. Só não olho quando ligo o som, coloco a tv no mudo, chamo alguém pra se sentar no sofá comigo e ouvir música enquanto imagens de tatu dentro de seus buracos povoam a tela. Abro a porta da sala, me viro e a tranco. Volto ao meu objetivo e aperto o passo rumo à escada. Esperar o elevador, na maioria das vezes não compensa. Desço dois jogos, empurro duas portas e sei que na minha frente vai ter outro elevador, um aquário que um merda teve a idéia de colocar para enfeitar os olhos de quem passa por ali, uns quadros e o porteiro vendo todas as menininhas, senhoras e mais um monte de coisas dessas, sentado numa cadeira ruim.Coloco-me double-set a baixo e uma mistura de cocô de cachorro com mármore, durante uns trinta segundos é tudo que eu tenho pela frente. O mármore é só durante esse tempo mesmo, porque no prédio da frente a pedra é outra mas a merda continua quantos quarteirões abaixo você quiser descer. É tudo assim mesmo até eu virar à direita. Nesse ponto tem um colégio, e as crianças não levam seus animais para cagarem lá na frente daquele jardim. Elas preferem que eles façam isso na frente dos prédios quando os bichinhos passeiam puxando suas mães ou as empregadas. No quarteirão do colégio eu não gosto muito de olhar pro chão, não. Não gosto da coloração, ou dos riscos que têm nas pedras. Sei lá, eu prefiro olhar pra cima nessa hora. Tem dois prédios lá, um do lado do outro, divididos por uma padaria no meio, que são pintados por duas cores que eu gosto e geralmente não encontro fácil assim nas calçadas. Nem mesmo em papel de bala, que é feito pra criança e geralmente é colorido a bessa. Até então, em momento algum eu preciso olhar pra rua. O que também é legal. Carro não é uma coisa que me atrai muito. Nunca atraiu. Quando eu era criança os moleques da minha rua e do colégio viviam pirando em carro, contavam pras meninas que sabiam dirigir e tal. Eu falava que gostava do chão da casa da Mirian, que trabalhava lá em casa, e que a filha dela cuidava com o maior carinho. O trabalho que ela tinha passando cera dava gosto de se ver. E eu ficava olhando pro chão que é uma beleza. A filha da Mirian, usava uma saia curtinha e quando o chão ficava limpinho, limpinho, dava pra ver cada coisa que os meninos da minha sala até então nunca tinham visto, mesmo com aquele papo todo de carro. Mas voltando a falar da minha falta de apreço pela rua o negócio é muito simples, a única cor que tem naquilo, apesar de toda a sujeira, é o preto. E ficar vendo o preto o tempo todo eu não curto muito. É por isso que na hora de atravessar a rua eu coço bem meu ouvido e tento escutar algum barulho de carro, e atravesso numa boa. Às vezes fecho os olhos pra ter mais emoção, às vezes não.Do outro lado da rua que atravessei tem início uma nova calçada, pelo menos é o início se você vier da mesma direção que eu. E ela já começa com planta. Mas uma coisa ruim do bairro onde eu moro é que o pessoal é sem criatividade ou não olha muito por onde anda. As flores se repetem com uma freqüência pior que as idas do meu primo ao banheiro depois de ficar relando na empregada da casa dele. O ruim é que nessa parte do caminho nem as cores das pedras da calçada são legais e logo adiante tem uma avenida de duas pistas para atravessar, além de um sinal de trânsito que é demorado pra burro. Mas, fazer o quê? Fui eu quem escolheu sair de casa pra ir te ver. Ao chegar às duas ruas cortadas por um canteiro que geralmente só tem esterco no lugar das rosas, eu levanto a cabeça, olho pra frente e imagino “com qual vestido ela vai estar dessa vez”. Eu levanto mesmo é porque dói bastante aos olhos a feiúra do quarteirão anterior. Atravesso em passos largos e desencontrados, subo a rampinha feita pra quem usa cadeira de rodas, viro à direita novamente, passo a mão numa plantinha fedida, depois coloco a mão no bolso até chegar de frente a portaria do prédio dela. Respiro fundo, projeto a mão até o vão da grade e alcanço o interfone. Pressiono o botão escrito em letras pretas o número seiscentos e quatro e aguardo. Geralmente o intervalo de tempo em que ela demora pra colocar o vestido, arrumar o cabelo e ir até o interfone do apartamento dela é o mesmo em que o cigarro picado que tenho no bolso gasta pra se queimar. O pior de tudo é quando ela não está em casa e eu fico na espreita da expectativa durante um bom tempo, olhando pra frente, coisa que eu lá não gosto muito.
O porteiro do prédio, ao me ver, depois de muito tempo já sentado, veio me avisar que hoje ela estava de vestido preto, até mais ou menos a altura do joelho, descalça, com as unhas pintadas de vermelho, os mamilos marcando seco o tecido, descabelada e com um olhar meio sem graça. Entrou dentro de um carro azul quatro portas, beijou o motorista e disse pro empregado do prédio dela que se caso eu aparecesse por lá, pra eu ir me fuder em algum lugar bem longe e, de preferência, com a cara grudada na televisão vendo uma cena em que a mocinha estivesse gozando sozinha com a mão no meio das pernas vendo o Deserto Vermelho.
Tudo bem, foi eu quem escolheu sair de casa mesmo.

Comments:
choquei joe! aí foi pisada. caçar chifre na cabeça da égua da nisso - vc acaba descobrindo uns aonde não esperava...
 
caramba...muito bom!
fazia tempo que eu não passava por aqui...
cigarro picado, ruas doloridas, da ate pra sentir o cheiro.
beijo grande!
 
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